O ritmo de um texto
 



Dica de Escrita

O ritmo de um texto

Cinthia Dalla Valle




O ritmo de um texto nem sempre é identificado pelo leitor, mas, com certeza, é sentido por ele durante a leitura. Existem textos, por exemplo, que ditam uma leitura mais rápida, outros direcionam para uma experiência mais lenta. Inclusive, dentro do mesmo texto, podem se apresentar vários ritmos, divididos por parágrafos ou capítulos, por exemplo.

Entretanto, esse ritmo pouco tem a ver com a vontade e o estilo do leitor. É o autor que tem em mãos o poder de ditar o ritmo do seu texto, seja ficcional ou não. Muitas vezes, o próprio escritor não tem definido o ritmo antes de começar a escrever, mas ele sempre opta por um durante o processo da escrita. O ritmo nasce junto com o texto e vai se firmando conforme ele é escrito. Influencia no efeito que o texto vai causar no leitor, ou seja, em como ele vai reagir e o que vai interpretar dele.

Mas o que determina o ritmo ou os ritmos de um texto, afinal?

O ritmo da linguagem em um texto depende de uma série de fatores. Vamos abordar alguns deles:

O gênero literário do texto - Dependendo do tipo de texto — poema, conto, crônica, romance, novela, entre outros — o ritmo é diferente. Por exemplo, um romance, sendo uma obra mais longa, geralmente apresenta um ritmo mais lento, com mais detalhes, cenas e personagens. Já um conto curto, por sua vez, envolve o leitor por meio de um ritmo mais acelerado. É claro que em qualquer gênero podem existir diferentes ritmos, isso não é uma regra única.

A intenção do autor - Mesmo que escreva só para ele, o escritor sempre cria os textos com uma mensagem, consciente ou não. As intenções podem ser inúmeras: alertar, comover, ensinar, fazer rir, conscientizar, impressionar, criticar, questionar, entre tantas outras. Qualquer que seja a intenção do autor, ela influencia o ritmo do texto.

Os diferentes momentos do texto - Um mesmo texto pode ter mais de um ritmo, conforme o momento dele. Por exemplo, o primeiro parágrafo, mais introdutório, com um ritmo mais lento, explicando a situação para o leitor. Já a parte em que o autor expõe a sua opinião ou o efeito que ele deseja passar com um ritmo mais acelerado, com frases curtas. São apenas exemplos de ritmos diferentes em um mesmo texto.

A pontuação - Ela é um dos recursos de linguagem que mais determinam o ritmo de um texto. A pontuação cria frases curtas ou frases longas, faz o leitor ler rapidamente ou pausadamente, gera sensações de urgência e até de sonolência, dependendo do texto.

“Desquitada. Passou dias tentando solucionar sozinha. Seria uma coisa como burra, feia? Não, não parecia. Flor? Flor parecia, mas não explicava nada: orquídeas, rosas, sempre-vivas, desquitadas… Parecia. ‘Mentirosa! Sua mãe é desquitada.’ Tita dissera como quem diz o quê? o quê? o quê? sem-vergonha. Sim!, como quem diz sem-vergonha: olhando de frente e esperando um tapa”.

Nesse trecho do conto “Menina” de Ivan ngelo, que faz parte do livro “Os cem melhores contos brasileiros do século”, as frases curtas e os questionamentos — tudo marcado pela pontuação — criam um ritmo que passa a angústia e a pressa da personagem em desvendar o mistério daquela palavra. O leitor vai junto, sentindo pressa em ler e saber mais sobre a história.

Vozes Verbais - As vozes verbais — ativa, passiva e reflexiva — também influenciam o ritmo de um texto. Na voz ativa, o sujeito gramatical pratica a ação indicada pelo verbo. Por exemplo, “A Carla construiu essa casa.” Na voz passiva, o sujeito gramatical recebe a ação expressa pelo verbo. Exemplo: “Essa casa foi construída pela Carla.” Na voz reflexiva, o sujeito pratica e recebe a ação. Exemplo: “A Carla se propôs a construir essa casa.”

Geralmente, a voz ativa deixa o texto mais dinâmico, enquanto as vozes passiva e reflexiva desaceleram um pouco o texto. Sabendo disso, o autor pode escolher a voz mais adequada ao seu objetivo.

Variações estruturais - Já falamos sobre o poder da pontuação para o ritmo de um texto. Ela define a estrutura frasal, que também impacta o ritmo dele. Por exemplo, se o autor utilizar sempre a mesma estrutura como frases longas ou frases curtas no mesmo parágrafo, o leitor pode perder o interesse no texto. O ideal é intercalar com estruturas diferentes para dar mais movimento e dinamismo ao texto. Dessa forma, as frases curtas ganham mais importância quando intercaladas com frases mais longas e vice-versa.

Um exemplo dessa variação estrutural retirada do conto “A estrutura da bolha de sabão”, da Lygia Fagundes Telles — “Os cem melhores contos brasileiros do século”:

“Era o que ele estudava. ‘A estrutura, quer dizer, a estrutura’ — ele repetia e abria a mão branquíssima ao esboçar o gesto redondo. Eu ficava olhando seu gesto impreciso porque uma bolha de sabão é mesmo imprecisa, nem sólida nem líquida, nem realidade nem sonho. Película e oco. ‘A estrutura da bolha de sabão, compreende?’ Não o compreendia. Não tinha importância. Importante era o quintal da minha meninice com seus verdes canudos de mamoeiro, quando cortava os mais tenros, que sopravam as bolas maiores, mais perfeitas. Uma de cada vez. Amor calculado, porque na afobação o sopro desencadeava o processo e um delírio de cachos escorriam pelo canudo e vinham rebentar na minha boca, a espuma descendo pelo queixo. Molhando o peito. Então eu jogava longe canudo e caneca. Para recomeçar no dia seguinte, sim, as bolhas de sabão. Mas e a estrutura? ‘A estrutura’ — ele insistia. E seu gesto delgado de envolvimento e fuga parecia tocar mas guardava distância, cuidado, cuidadinho, ô! a paciência. A paixão."

Diálogos - Os diálogos também impactam o ritmo de um texto. Quando há muitos diálogos na sequência, o texto tende a ficar mais acelerado. Já, quando o texto é mais lento, com frases longas, os diálogos quebram o ritmo e deixam a leitura mais fluida. Lembrando que os diálogos devem ser empregados com muito cuidado, eles precisam ser sempre essenciais para a história que se está contando.

 

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